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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Tesourinha e a Bruxa

Adoro essa autora: Diana Wynne Jones. Para mim, o Brasil, no seu afã de consumo e pouca consciência literária, deixa-a num lugar obscuro das prateleiras, mesmo tendo publicado as maravilhosas séries Os Mundos de Crestomanci e O Castelo Animado. Para você que gosta de fantasia, vale demais a leitura.

Diana, que morreu em 2011, foi aluna de C.S. Lewis (Crônicas de Nárnia) e Tolkien (se não sabe quem é, saia do meu blog). Ela escreveu mais de quarenta livros de uma fantasia pura, harmonizando mágica, universos paralelos, criaturas incríveis, de uma maneira espetacularmente criativa.

Esse livro aí do lado é um continho infantil. Sobre uma menina esperta que é feliz vivendo em um orfanato, mas, de repente, é adotada por uma bruxa e um demônio. A mágica funciona nesse universo sem questionamento, exatamente como funciona na cabeça das crianças. Elas certamente vão se identificar com as espertezas da menina que tenta sobreviver nesse novo contexto caótico de gatos pretos, caldeirões e castigos mágicos. O final é bastante inusitado para quem domina o gênero fantasia, mas as crianças vão aceitá-lo com facilidade.

Tesourinha e a Bruxa tem um trabalho gráfico primoroso. É um livro lindo  de se ver. Letras grandes, espaçamento duplo, páginas curtas, ilustrações encantadoras. Tudo para facilitar o processo para esse público em contato recente com a leitura. Acho que ele é indicado para crianças de nove/dez anos. Agora, cuidado na hora de comprar. Como já disse anteriormente, nessa faixa etária, é importante acertar no interesse da criança, ou se corre o risco de dar um presente que ela vai considerar enfadonho. E piorar a relação com a leitura. Caso magia seja de interesse, é uma boa proposta.

Editora: Galera Júnior
124 páginas
Preço: R$28,90


quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

RELICÁRIO

Resolveram celebrar sua união em uma festa no final da tarde. As cem pessoas mais importantes de suas vidas estavam ali naquele jardim para comemorar com eles o dia que diriam sim para a eternidade. Certeza essa que já carregavam no peito por bem mais de dez anos e que só cresceu em cada ano de namoro.
O céu colaborou e se tingiu de tons de laranja e vermelho. Os convidados estavam encantados com a criatividade e a delicadeza da decoração feita. Uma estrutura de madeira decorada com flores foi montada para simular a nave. Penduradas nela, pequenas velas dentro de garrafas flutuavam suspensas por fios acima da cabeça das pessoas. Os convidados foram distribuídos em duas longas mesas como se estivessem no salão comunal de Hogwarts.
Os padrinhos foram os primeiros. As roupas eram informais, nada de terno, nem vestido longo. Cada um trazia uma referência aos gostos que partilhavam com os noivos. Vini colocara uma camiseta com o Shiryu e uma calça social. Ana Maria usava o vestido e a peruca de Princesa Leia. Pedro estava com o boné do Mário. Joaquim escolhera um cosplay de Gambit. E Milena estava vestida de Arwen. Eles chegaram ao altar ao som de É tão lindo, do Balão Mágico.
Então André apareceu com sua mãe. Usava um meio fraque com a camiseta amarela do Charlie Brown por dentro. Dona Heloísa lhe deu um beijo no rosto. A Marcha Imperial começou a tocar e eles caminharam até o altar.
Visivelmente emocionado, ele acompanhou a pequena orquestra tocar o tema de O Poderoso Chefão e seu pai entrar no seu campo de visão de braço dado com Dona Marlene. Seu coração dava pulos. Faltava bem pouco para vê-la. E era somente isso que desejava. Mostrar ao mundo o poder do que sentia por Mariana.
Então, a orquestra tocou a versão instrumental da abertura dos Cavaleiros do Zodíaco e as crianças fizeram a participação delas. Alice, Tito e Paola. Mulher-maravilha, Homem de Ferro e Sailor Moon. André e os demais convidados deram gargalhadas quando a pequenininha começou a correr do meio do caminho para o braço dos pais.
Estavam todos prontos para o ápice da celebração. Os últimos raios de sol esperavam para iluminar a figura de Mariana, misturando-se a cor natural de seus cabelos. Sua figura surgiu no horizonte e André chorou. As lágrimas não abalaram o seu sorriso. Eram apenas a manifestação de uma alegria que não conseguia conter. Dona Heloísa chorou junto. O filho estava feliz. Ele seria feliz.
Mariana usava um guarda-chuva amarelo, um vestido branco curto e cheio de tule, o cabelo solto e o All Star azul dado por sua mãe que combinavam perfeitamente com o preto de cano alto que André calçava. A música de Nando Reis preenchia não somente o espaço, mas também o passado deles. Aquilo era o certo.
Mário a entregou a André com um abraço. Os olhos verdes dela estavam marejados. Os dele molhados. Sorriram. André beijou suas mãos e a conduziu ao celebrante que falou palavras de amor e compromisso. Anos depois, reconheceriam que nem ouviram aquelas palavras, pois, naquele momento, trocavam tantas outras que só os seus corações conseguiam entender, muito mais sinceras e verdadeiras.
Nervosos, acompanharam de mãos dadas todo o procedimento, não saberiam dizer quanto tempo se passou até o juiz pedir as alianças. A pequena Alice entregou uma pokebola ao celebrante que precisou da ajuda de André para abrir. Os dois anéis, exatamente como os forjados em Mordor, com seus nomes gravados em élfico, apareceram. E cada um pegou a aliança que colocaria no outro. Chegara o momento dos votos.
─ Eu te prometo sempre carregar uma toalha. – Ele começou e ela riu. – Prometo te deixar ganhar em qualquer partida de qualquer jogo de vídeo game e treinar até passar nas fases caso você não consiga sozinha. Prometo gostar de Goonies pelo resto da minha vida e só assistir esse filme se for com você. – Colocou a aliança no dedo dela. – Prometo amar cada detalhe seu, por mais irritante que seja. E te empurrar da cama cedo quando você precisar, mesmo correndo risco de vida. – Todos riram nesse momento. Mariana podia ser agressiva caso precisasse acordar cedo pela manhã. – E, principalmente, prometo dedicar quantos mais minutos de existência eu tenha para cuidar da minha rosa vermelha que cativou em mim o que tenho de melhor. Eu te amo, Pequena.
─ André, eu te prometo a família de Lílian e Tiago. Eu te prometo a eternidade de Aragorn e Arwen. Eu te prometo o tesão de Gambit e Vampira. E a dedicação de Pepper a Stark. – Ela colocou a aliança nele. – Mas, acima de qualquer coisa, eu te prometo que o nosso amor vai ser sempre tão puro quanto o de Charlie Brown e sua garotinha ruiva. – A voz dela embargou e as lágrimas que segurava começaram a cair. André a beijou. Todos aplaudiram. Até os convidados nas mesas se levantaram.
Já na festa, todos os padrinhos ergueram seus sabres de luz na hora do brinde. O casal abrira a pista de dança abraçadinhos com O que eu também não entendo, do Jota Quest e depois chamou os amigos para chacoalhar ao som de Twist and Shout dos Beatles.
Mariana jogou o seu buquê de rosas vermelhas que caiu direto nas mãos de Milena. Diante desse aviso celestial, a moça resolveu aceitar o milésimo convite de Guilherme para dançar.
No mais, foi tudo exatamente como planejaram. Da mesa de coquetel estilizada como um laboratório de poções, com direito a bartender fantasiado de Professor Snape e malabares de fogo aos doces modelados de leite com casais famosos, Lucy e Schroder, Rony e Hermione, Homem-aranha e Mary Jane.
Por volta da meia-noite, a festa estava no fim. A maioria das pessoas já tinha ido. Ficaram apenas os mais amigos. Mariana ainda dançava nos braços do marido.  Não queria que acabasse nunca. Mas o que tinham não acabaria mesmo. Ela olhou para a tatuagem que ambos fizeram no pulso. O triângulo, o círculo, a reta. As Relíquias da Morte. Uma lembrança de que o que estavam vivendo era superior à morte.
─ Tudo pronto, Deco? – Vini veio bater no braço do melhor amigo.
─ Prontíssimo. Manda ver. – Ele confirmou. Mariana não entendia o que estava acontecendo, mas já se acostumara com as surpresas de André.
─ Mais uma de suas promessas cumpridas, meu amor? – Beijou o rosto dele. – O que mais falta para a perfeição, DSG?
─ Calma, Pequena. Faltava só um detalhe. – Ele a beijou. Fogos começaram a estourar no céu. – É que toda novidade faz barulho.


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quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Quem soltou o Pum?

No domingo, fomos passear na Livraria Cultura e no meio de todos aqueles livros infantis maravilhosos, reencontrei esse que é um sucesso.

Nós já falamos aqui no quanto as piadinhas de pum são atraentes para as crianças quando comentamos o Até as Princesas Soltam Pum. Então, a fórmula continua a valer na tentativa de chamar a atenção das crianças nessa divertida historinha de um menino e seu cachorro, oportunamente batizado de Pum.

Serão inúmeros trocadilhos sobre soltar ou não o Pum, na sala, na chuva, na festa. O cheiro e o barulho do Pum vão incomodar as pessoas. Mas, como o menino mesmo chega a conclusão, tem uma hora que é impossível segurar o Pum. 

O melhor desse livro da Companhia das Letrinhas é que você não precisa ser um leitor muito experiente para encantar as crianças. O tom da história é de seriedade. Você lê na sua voz de adulto mesmo e, aos poucos, os trocadilhos vão dando o tom divertido. Impossível não se divertir com as aventuras do cachorrinho de nome esquisito.

O livro fez tanto sucesso que já tem continuação. Todas igualmente divertidas e interessantes. Meu favorito, entretanto, é mesmo o primeiro. Como de costume, é um livrinho relativamente caro, gira na casa do R$30,00. Mas é garantia de sucesso nas festas de aniversário. Já dei de presente umas quatro vezes e sempre com elogios por parte dos pais.

Com relação à idade, li a primeira vez para a Bia nessa visita à livraria. Ela gostou e foi até o final (o que é raro para quem nem tem dois anos). Uma amiga relatou que a filha de três anos adorou a história, mas não percebeu o trocadilho com o nome do cachorro (interessante!). Mas acho que o ideal do livro é por volta dos quatro anos, chegando ao ápice nos meninos de seis/sete que só falam mesmo de coisas nojentas, esses vão adorar.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Bambolim

Oi, gente,
estamos vivendo dias difíceis aqui em casa. Os dentes posteriores da pequena estão nascendo e ela está um dengo só. Não dorme direito. Só quer colo. E parece uma portinha velha de tanto Nheeem. A gente está medicando, dando carinho, mas, nesses casos em que o incômodo é inevitável, o melhor é distrair. Por isso mesmo, o fim de semana foi intenso.

Nessa época de chuva em Fortaleza, percebemos que não existem muitas atividades voltadas para as crianças pequenas em espaços fechados. Acabamos condenados aos shoppings. Esse foi um final de semana de shopping lotado. Dentro dessa perspectiva, resolvi apresentar um espaço novo o Bambolim. Trata-se de um desses parquinhos de shopping, planejado especificamente para crianças pequenas. Imagino que receba bem crianças de até uns oito anos. Depois disso, acho que as crianças vão preferir os espaços com games.

O Bambolim fica na parte mais nova do Shopping Iguatemi, no piso superior (se você pegar a escada rolante que fica em frente ao Extra, é uma das primeiras lojas). Visualmente é muito bonito, com uma decoração diferenciada e vários espaços, tobogã, piscina de bolinhas, armário de fantasias, cama elástica, espaço de leitura, casa da árvore e uma outra infinidade de brinquedos. Até aí, mesmo com a decoração bacana, parece bastante com o já conhecido Clube das Estrelinhas que tem em todo shopping. O diferencial da marca são os monitores e as propostas de atividades.

Segundo o site, veja aqui, o Bambolim nasceu de uma proposta de colônia de férias, da relação familiar entre uma dona de escola, uma administradora e um educador físico. É uma boa mistura e eu espero que dê certo. Dessa maneira, dentro do parquinho, para além dos brinquedos e dos monitores que apenas zelam pela segurança dos pequenos, existem recreadores que efetivamente promovem atividades, oficinas de culinária, contação de história, competição de brincadeiras populares. a programação é vasta e atualizada no facebook, se quiser curtir e acompanhar, clique aqui.

Os preços são razoáveis para o padrão shopping. R$20,00 os primeiros trinta minutos e mais R$10,00 a cada quinze minutos adicionais. Para a minha filha de quase dois anos, trinta minutos é mais do que suficiente. Pode até ficar 45, mas vem com a língua de fora. E o dia de brincadeira ganho.

Achei muito bonitinho e recomendo. 

Não foi a primeira vez que fomos. Inclusive, vou contar algo que aconteceu dentro do parque e que me deixou mais tranquila. Na primeira vez que a Bia foi (crianças da idade dela não ficam sozinhas, então o Raphael acompanhou), dentro da piscina de bolinhas, uma criança de cinco anos ficou agredindo a Bia (Infelizmente isso acontece. Não vou entrar hoje nos méritos dos motivos desse tipo de crianças. Mas essa é uma figura bem comum nos parquinhos de maneira geral), puxava a perna dela por debaixo das bolinhas, beliscava, um horror. A Bia, que adora piscina de bolinhas, ficou com medo e não quis entrar mais. Ficava na borda olhando. O monitor então sugeriu que o Raphael entrasse na piscina. A atitude inibiu a criança agressiva e deu confiança a minha filha. Fiquei satisfeitíssima com a presença de espírito do monitor. Sei que ele não pode tirar a criança agressora pagante do brinquedo, mas fiquei feliz dele ter reparado no pequeno trauma que talvez a situação causasse na minha pequena e ter conseguido contornar a situação. Se foi sorte ou treinamento, não sei, mas o parque ganhou pontos comigo.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Fim da série

O post só sai na segunda, mas resolvi escrever hoje mesmo, pleno sábado. 

Acabei de terminar um conto da sessão Relicário, o casamento de André e Mariana, caso interesse saber. Deve ser publicado qualquer dia desses. E fui, a medida que escrevia, percebendo que os personagens e seus destinos já foram tomando rumo próprio. Os seus futuros se delineiam aos poucos. Alguns diálogos surgem na minha mente. Decido como vou me posicionar como narradora e autora. Que pontas vou fechar. Que pontas vou deixar abertas de propósito.

E decidi ter esse papinho com vocês sobre o processo que leva aos três livros finais da série Nando. E são três? Você disse que seriam 2. Já mudou de ideia? Não. Estou organizando os contos de Relicário para formar um sétimo livro da série. Exatamente como eles foram publicados aqui. Se você não leu, dá uma olhada aqui. Até agora são doze, mais o do casamento, vamos para treze. Tive a ideia de escrever sobre um encontro entre Eleonora e Gisele, mas não sei se vai para frente. Ainda vou discutir com minhas seguidoras fieis. Mas não está nada definido. Seria o décimo quarto conto. E o último já sei como será, dará fim a uma ponta solta que deixarei no sexto livro. Vou escrevê-lo em breve, mas só publicarei perto do fim da série.

Sobre a ajuda das minhas leitoras, não sei se vocês percebem o quanto ajudam no processo. Ajudam muito. Principalmente com ideias. Eu não tinha a menor intenção de escrever sobre o casamento de Mari e Deco, embora soubesse que ficariam juntos para sempre. Em uma conversa informal, uma amiga disse que adoraria ver os filhos deles. Fiquei sem entender, porque realmente nunca imaginei a Mari mãe. Acredito que não exista nada que a desabone para o papel, só não a vejo dessa maneira maternal. Não hoje. Enfim... Mas daí fiquei com aquilo na cabeça. E cheguei à conclusão que essa vontade de ver os filhos vinha de uma noção de ciclo fechando. Como se os filhos dessa geração pudessem ser amigos como eles são entre si. E a ideia não me desagradou. De alguma forma, vou satisfazer esse desejo, mas de maneira mínima para não ficar brega estilo Harry Potter.

Para atingir esse objetivo, eu precisava passar por cenas que nem esse e nem o próximo livro vão trazer. O casamento de André e Mari está entre essas cenas. Para vocês verem, já começa tudo a ir para o seu devido lugar na minha cabeça. Já decidi, por exemplo, que o sexto livro não terminará no casamento de Vini. Já decidi como se chamarão os filhos de alguns personagens, posso até dizer que haverá um menino chamado Ben e uma menina chamada Paola.

Por isso meninas, comentem, conversem, digam o que gostariam de ver e saber sobre os personagens nessa reta final. Sei que pode ser constrangedor. Se sei. Nessas férias, um amigo meu, garoto, a quem conheço faz mais de dez anos, leu Do Seu Lado. Ele ficou impressionado. Teceu elogios. Mesmo assim, foi difícil agir com naturalidade para mim. É esquisito falar dos meus personagens e reconhecer o que eles levam de mim pelos olhos dos outros. Semelhante coisa aconteceu com uma amiga que disse que chora nos meus livros. Gente. Eu não choro. Já não sou chorona. Quanto mais com meus personagens. Às vezes, tempos depois, leio alguma coisa que escrevi e penso "que fofo" ou "que lindo", como se não tivesse sido eu quem tivesse escrito (acontece, por exemplo, com a primeira declaração de Vini), mas nunca chorei. Fiquei imaginando se essa amiga me achou insensível. Talvez boçal. Mas é só vergonha de reparar como o que escrevo toca as pessoas, quem sabe mais do que toca a mim.

Com relação ao livro cinco, estou numa parte meio morosa do processo. Acabei de escrever um capítulo sobre Pedro e sobre como às vezes contamos mentiras na intenção de dizer as verdades que gostaríamos de viver. Agora estou escrevendo sobre Joaquim e deixando lá todos os elementos para fazer você se apaixonar por ele. Tomara que concordemos sobre as decisões que serão tomadas pelos personagens. Ou, pelo menos, espero que eu consiga convencer você da autenticidade delas. Não está nada fácil. Mas as metáforas estão ajudando a perceber que Taís é uma menina mais intensa do que o que ela mesma percebe de si mesma e que a maturidade dos anos, com certeza, vai deixar vir a tona um furacão de ideias que ela guarda em si.

Ana Maria vai dilacerar meu coração. E eu quero muito que ela consiga ser feliz apesar de tudo. Acho que vou precisar trabalhar melhor em mim o sentido de perdão. E Vinícios, o queridinho de todas vocês, está mudando. Está amadurecendo. Será que gostaremos da pessoa que ele vai se tornar? Acho que sim. É impossível não gostar de Vini.




quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

RELICÁRIO


Estava nervosa. Olhava o relógio de instante em instante para saber se estava atrasada. Não estava. Era sua primeira grande matéria. A primeira vez que escreveria por conta própria no jornal em que trabalhava desde o final do ano anterior. Entrara como estagiária de esportes cobrindo pequenas competições e, aos poucos, foi ganhando a confiança do editor-chefe. E agora aparecia essa oportunidade maravilhosa.
Fora mesmo uma sorte ter conseguido a entrevista. Tantos tentaram sem êxito. No próprio jornal, o colunista de Arte e Cultura tentara um milhão de vezes. Mas, pelo jeito, o passado falara mais alto. Para ela, bastara uma ligação para a pessoa certa. Joaquim.
Não se viam havia anos. Desde que ele viajara para estudar. Joaquim alcançou rapidamente uma carreira meteórica. Ainda estava na faculdade quando suas tirinhas começaram a fazer sucesso, primeiro no jornal local da sua cidadezinha nos Estados Unidos, depois no Times. Depois no mundo inteiro.
Agora ele tinha quadrinhos e livros com as suas melhores tiras, acabara de vender para o maior estúdio de Hollywood um segundo roteiro para a continuação do filme de sucesso baseado em sua obra e estrelado pela atriz queridinha dos adolescentes e viera ao Brasil exclusivamente para uma série de entrevistas de divulgação do primeiro longa, á totalmente estourado nas bilheterias. Era simplesmente inacreditável estar numa salinha de produtora chique esperando para conversar com um amigo de colégio desse porte.
O talento de Jota era inquestionável. Taís já sabia disso quando tinha quinze anos. Ele sempre tivera uma sensibilidade fora do comum. E uma percepção do mundo aguçada, capaz de uma empatia incrível. Não à toa seus quadrinhos eram sobre meninas. Meninas jogadoras de futebol. O quadrinho tinha o nome do time fictício que defendiam: Huntress. A Caçadora, em português.
No quadrinho, Joaquim descrevia o cotidiano de um grupo de meninas que lutava contra o preconceito para montar um time de futebol. E também sobre toda a dificuldade que as meninas encontram no dia a dia por conta do machismo de maneira geral. Taís se apaixonou por elas logo nas primeiras tiras que leu. Principalmente por Diana, a protagonista de longa trança loira, briguenta e turrona, disposta a tudo pelo time, incansável nos treinos e nas disputas de bola.
Taís se reconheceu imediatamente.
Ela estava ali naquele papel. Eternizada aos quinze anos de idade. Podia ver toda a sua determinação de adolescente pelo traço preciso de Jota. Era tão fiel que até se pegava se lembrando de si mesma, das suas expressões faciais de garota, um bico zangado, uma ruguinha de raiva em cima do olho direito. E os diálogos? Quase conseguia se imaginar dizendo boa parte das falas dos personagens.
A essa altura do campeonato, dez anos depois, Taís já levara tantos nãos da vida que aprendera a ser bem mais cortês. Traçava novas estratégias além do combate direto. Abaixava mais vezes a cabeça do que alteava a voz. Mas encarava Diana como uma singela homenagem a menina que um dia fora e a pessoa que ela ainda gostaria de ser. Vencendo os desafios de uma sociedade marcada pelo patriarcado.
Estava acostumada a isso. A carreira de jornalista esportiva não era nada fácil nesse sentido. Seus colegas de trabalho debochavam dela as escondida. Muitos atletas se negavam a lhe dar entrevistas. Principalmente os famosos jogadores de futebol. Ela perseverava e vencia cada degrau da escada do sucesso. Aprendera a usar seu sorriso perfeito, seu carisma natural e o insaciável desejo dos homens para arrancar a informação que queria.
Seus olhos azuis iluminavam a câmera. Não foi complicado conseguir um lugar na frente dela. O difícil era convencer os editores de que era capaz de escrever suas próprias matérias. Dedicava-se. Estudava as estatísticas. Sabia mais sobre tipos de toque de bola, regras e contratos assinados do que qualquer um dos seus colegas homem. Mas a desconfiança pairava sobre a sua cabeça a todo o momento. E o medo de errar era enorme.
Finalmente, o acaso lhe dera a oportunidade que tanto desejara. A chance para mostrar o seu talento e deslanchar de vez no meio jornalístico. Por coincidência, recebia essa chance da mesma pessoa que a apresentara ao jornalismo.
Mesmo depois de tanto tempo, ainda guardava no coração um carinho especial por Joaquim. Ainda guardava em casa os desenhos que ele fizera e tudo que lhe escrevera. Na época, sabia que ele seria grande. Não tão grande quanto um sentimento com o qual não souberam lidar. Algo que era mais intenso do que sua cabecinha adolescente conseguira compreender. Mas que ela admirava. E do qual ela assimilara toda a verdade.
Hoje, entendia bem melhor das coisas. Mais madura, sentia na pele a certeza de ter sido alguém muito significativo na vida de outrem. E aquilo a tocava profundamente. Toda aquela situação a tocava profundamente.
Então, quando a produtora perguntou “Are you ready?” pela segunda vez, ela segurou o microfone, respirou fundo e entrou no corredor pronta para reencontrar o garoto que lhe dera seu primeiro beijo.
Joaquim continuava quase o mesmo dos tempos de colégio.  O mesmo rostinho de garoto bom. O sorriso sempre no canto da boca, uma mistura de timidez e autoconfiança que era só dele. Os cabelos escuros e lisos. A postura meio largada. Mas certamente andara malhando. Não era mais o menino franzino de antigamente.
Porém, vestia-se exatamente como antes. As calças frouxas cheias de bolsos. A camiseta descolada por baixo e uma camisa de botões aberta por cima. Os tênis mais confortáveis e rabiscados do mundo. Era bom saber que ele ainda customizava seus sapatos.
Ele já tinha dado cerca de quinze entrevistas quando ela entrara na sala. Estava sentado em uma daquelas cadeirinhas de entrevista com o cartaz do filme por detrás. Conversava animadamente com os seus produtores em inglês. Não a viu chegar. Taís também não se sentiu à vontade para interromper.
A produtora, sem muita paciência, empurrou-a sala adentro. E Joaquim finalmente a viu. Ela acompanhou o semblante dele mudar com o reconhecimento. Viu que analisava a pessoa que ela se tornara.
Não passava de uma menina descabelada da última vez que se viram. Agora era uma mulher de salto alto, corte Chanel e calça skinning. Usava maquiagem e microfone. Era uma adulta de vinte e cinco anos tentando ser alguém na vida. Bem diferente dele que já era alguém. Alguém famoso.
─ Taís... – Ele abaixou o olhar em sinal de respeito. Um gesto tão dele que foi como se tivessem estado juntos ontem. – Você está estonteante!
─ Obrigada. – Disse ainda sem jeito. Sem saber bem o porquê, sentiu a necessidade de encostar nele. Saber se era mesmo real. Hesitou com vergonha, mas perguntou mesmo assim. - Posso te dar um abraço, Jota? – Pela forma como ele colocara as mãos nos bolsos, sabia que também sentira exatamente a mesma coisa e também tentava se controlar por vergonha.
─ Por favor. – Ele abriu os braços e ela correu para abraçá-lo da maneira mais forte que conseguiu.
─ Que saudades de você! – Seu coração disparara. Nunca imaginara que fosse se sentir assim.
─ Também senti muito a sua falta... – Disse praticamente em seu ouvido a apertando bem dentro dos braços.
─ Obrigada pela entrevista. – Não queria sair daquele abraço, mas o momento tinha tempo contado. – É muito importante para mim.
─ Era o mínimo que eu deveria fazer por você, minha musa inspiradora. – Jota sorriu e se afastou. Mostrou a cadeira de entrevistadora a ela. Taís respirou fundo novamente e se sentou. – Não sei se você conseguiu perceber alguma semelhança entre minha personagem principal e alguém que conhecemos...
─ Eu me sinto lisonjeada. – De maneira displicente, Taís segurou na mão esquerda de Joaquim que pousava no braço da cadeira. Ele segurou a mão dela com carinho, detendo-se em cada detalhe, no esmalte de cor forte nas unhas bem tratadas, nos dedos longos, na ausência de anéis.
Ao segurar a mão de Taís, Joaquim deixou à mostra a parte inferior do antebraço que a camisa não cobria. E lá estava ele, tatuado de verdade, o escorpião que tantas vezes ela o vira desenhar ali.
─ Então, você fez mesmo essa tatuagem? – Passou a mão delicadamente pelo desenho.
─ Claro. – Olhou fundo dentro dos olhos dela. Taís até perdeu o fôlego. A presença inteligente de Joaquim voltava a mexer com ela de uma forma diferente. – Certas situações marcam a vida da gente para sempre. A pele é a melhor tela para expressar esse tipo de coisa.


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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Menina Bonita do Laço de Fita


Ainda sobre a questão da representatividade, hoje trago uma dica de livro infantil. Talvez o livro sobre consciência negra para crianças mais conhecido que temos no Brasil: Menina Bonita do Laço de Fita.

Nesse livro de Ana Maria Machado, um coelhinho branco e uma menina pretinha conversam sobre a origem da cor negra da menina, pois o coelho quer ter uma filha da mesma cor da menina. Para tanto, ele se pinta de preto, toma café, come jabuticaba, enfim, mete-se em várias situações até perceber que a cor da pele é uma questão genética.

A intenção da autora é clara como água, evidenciar a beleza negra, apesar de alguns clichês como "olhos de azeitona preta" e "pele lustrosa como a pantera na chuva" que remetem a uma ancestralidade africana não partilhada pelas crianças, o que é típico de uma autora branca tentando dar voz a uma beleza negra que ela mesma não reconhece nos seus detalhes. Mesmo assim, é válido apresentar uma protagonista feliz com sua autoestima e que se sente bonita com suas tranças.

Acredito que seja um belo livro para trabalhar em sala de aula. Para ler para sua criança em casa. Eu ainda não o tenho. Só o encontrei caro. Acho que é adotado em várias escolas e isso sobe demais o preço do livro no Brasil. Entretanto, é um livro ameno sobre a questão do negro e sequer trata sobre o racismo. Outro fator que o leva para a sala de aula, pois trata do assunto politicamente correto, mas não toca na ferida. 

Como assim? É triste dizer, gente, mas o racismo está entranhado em nós em vários pontos. Inclusive nas escolas. Inclusive nas professoras de pré-escola. Não acho que levantar essa bandeira sem ter sentido na pele essa condição é de todo pertinente. Eu seria mais uma autora branca tentando dar voz a um sentimento ao qual sou empática, mas que não compreendo de todo. Porém, é preciso dizer pelo menos que as crianças negras lidam com o racismo desde muito cedo. Triste dizer quantos casos já escutei que vão de comentários sobre o cabelo à capacidade intelectual da criança. 

A valorização da beleza negra é apenas uma das vertentes a ser assumida na luta contra o preconceito. Falar sobre racismo com crianças pequenas é importante também. Que ele existe. Que é errado. E que as pessoas erram. Mesmo as professoras em quem tanto os pequeninos confiam.

Mas o que diriam os pais de um livro sobre racismo na pré-escola? Afinal, repetimos o mantra de que no Brasil não existe distinção de cor, somente de classe social. Mas como lidar com a palavra negro quando tanta gente acha que é melhor (lê-se aqui "menos ofensivo") falar moreno? Como valorizar uma criança negra quando os coleguinhas entregam a ele um lápis "cor-de-pele" rosa? Estaremos preparados para falar sobre isso? Ou simplesmente para aceitar essa nossa ferida aberta? Ou nos comportaríamos como superiores ao fato e nos posicionaríamos como contrários ao discurso de assistencialismo de esquerda (seja lá o que isso signifique nesse contexto) que coitadiza as pessoas?

Passeando pela internet na pesquisa sobre o tema, encontrei esse blog Pretas Simoa, que traz uma lista interessante de livros sobre consciência negra para crianças. Eu me interessei pelo Minha mãe é negra sim! de Patrícia Santana, vou comprá-lo. É a história de um menino que sofre preconceito através da professora que sugere que ele pinte sua família negra de amarela que é uma cor mais bonita. Isso o leva a refletir sobre preconceito e a descobrir formas de lidar com a frustração e tristeza. 

Não li o livro ainda, mas a temática é muito mais incisiva. Acho que é uma boa continuação para a abordagem trazida em Menina Bonita do Laço de Fita. Em todo caso, mesmo que você enquanto pai não se sinta preparado para tratar especificamente da questão racial com seu filho, o livro de Ana Maria Machado vale pela delicadeza e pela criatividade. Seu filho, a depender da idade, provavelmente não vai nem perceber que é uma história sobre negros, mas a existência da protagonista negra já vai fazer uma pequena diferença na maneira como ele compreende o mundo.


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Representatividade

Nessa semana, eu estava passeando com a Bia por uma loja de brinquedos, quando nos deparamos com uma prateleira de bonecas. Eram bonequinhas bebê de uns doze centímetros, algumas loiras e outras negras. Uma boneca negra me chamou a atenção por causa da roupa e eu a mostrei para Bia. Tomei um susto com a reação dela. Encolheu a mão numa reação típica de medo. Quis sair de perto da boneca. E não houve quem fizesse ela tocar no brinquedo.

Se fosse com outra pessoa, talvez eu julgasse isso como racismo, mas a questão é que esse não é um assunto tratado na minha casa. Nós não falamos sobre negros. Falamos sobre pessoas. Aqui não tem piadinha. Não tem empregada para levar a culpa. Nós sequer convivemos com negros no nosso círculo mais íntimo para gerar comentários desnecessários (aqui no Ceará isso não é difícil, temos poucos negros). Enfim, a questão da cor da pele das pessoas não é assunto em pauta nesta residência. E eu me dei conta de que é justamente esse o problema.

Eu estava preparada para lidar com a questão da representatividade um dia. Estava preparada para conversar sobre racismo. Sobre a beleza de ser diferente. Só não sabia que seria tão cedo. E que a mídia, de certa forma, afetaria minha filha tão cedo. A Bia tem apenas um ano e nove meses, ela está dando os primeiros passos na comunicação humana. O quanto será que ela já absorveu dessa nossa cultura excludente que ignora a existência do negro? Foi o que eu me perguntei.

Cheguei à conclusão que não apresentar é também uma forma de excluir. No universo que ela conhece de Barbies e bebês loiros, não mostrar a diferença da cor, não discutir a diferença, não deixar evidente a existência das possibilidades é também um erro. Enfim, o contraste é importante na formação de conceitos. E, achando que essa aquisição viria de maneira natural, acabei deixando que ela levasse um choque de realidade.

Não me leve a mal. A Bia tem bonecas negras, mas ela ainda não brinca muito com bonecas, então, algumas ainda estão nas caixas ou nas prateleiras e eu nunca chameia a sua atenção para o assunto. Depois dessa história, essa bonequinha negra aí saiu do baú. A coisa é séria. Do meu ponto de vista, o medo da Bia advém do fato de ela não conhecer pessoas negras, não ver na televisão desenhos de pessoas negras, não ver brinquedos com traços negros. E o estranhamento causa o medo.

Nossa estratégia para enfrentar a ojeriza tem sido brincar com as duas bonecas. Descrever as diferenças. Mostrar as semelhanças. E banalizar a cor da pele, mostrando que existem muitas variações. Bia ainda se mostra arredia, mas já se aproxima da boneca negra e é capaz de alguma interação.

Foi chocante para mim perceber que minha filha tem medo de bonecas negras. Mas aí me dei conta de como devem se sentir as meninas negras num universo onde elas (aparentemente) não existem. Onde não há ideais de beleza negra. Onde o negro representado é o subalterno. O excluído. O pobre. Como construir uma autoestima nesse contexto?

Também me dei conta de que minha função de mãe passa por esse lado da educação também. De mostrar o que ninguém quer mostrar. A diferença. Afinal, o suposto padrão está aí todo dia para ser visto e copiado. Pois não estamos falando de apresentar apenas o negro às crianças. Esse processo de aproximação com a diferença vai precisar acontecer com o cadeirante, com a pessoa com Down, com as religiões com a homossexualidade, enfim, com o universo de possibilidades que a condição humana apresenta. Entendi que, nesse momento, minha filha precisa aprender a perceber a diferença e, no passo seguinte, exercer a tolerância. E quem tem essa obrigação de ensinar somos nós, sua família, pois a sociedade continua apenas repetindo padrões excludentes e tantas vezes imperceptíveis que chegam até nós das mais variadas formas e se entranham na nossa vida sem que sequer tenhamos consciência disso.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Pré-carnaval infantil - Casa José de Alencar


Hoje a dica é de um dos nossos programas favoritos dessa época do ano: o pré-carnaval infantil. Fortaleza, nos últimos anos, vem aprendendo a aproveitar melhor os espaços públicos. Movimento que eu apoio demais. E essa iniciativa passa também pelo carnaval de rua. De bairro. Os blocos temáticos. Dentro dessa perspectiva, existe uma revitalização do carnaval infantil. Aquele com confete e serpentina e as crianças fantasiadas dançando musiquinhas de criança e correndo livres por espaços abertos. 
A Casa José de Alencar e o Passeio Público são dois dos lugares onde esse pré-carnaval infantil acontece. E é um sucesso! Adoramos ir com a Bia. Nunca fomos ao do Passeio Público, mas na Casa José de Alencar nós já fomos várias vezes. Se você está na dúvida de ir, vou explicar como funciona.

Para começo de conversa, o evento é gratuito e só por isso já vale a tentativa. Trata-se de uma banda (Grupo Adoleta) tocando sucessos de carnaval (marchinhas antigas) e músicas infantis. Nada de duplo sentido e rebolação. O som é razoável para o espaço aberto. Os bebês pequenos, dependendo do lugar escolhido para ficar, não se sentirão incomodados. 

Os pais colocam as fantasias nas crianças que dançam, correm, sobem nas árvores, fazem amizades ou apenas param para o lanche e desfrutar a natureza. A maioria dos grupos vai bem preparada, com toalha para estender no chão perto de uma sombra de árvore frondosa, água, lanche, algum brinquedo e disposição para correr atrás dos pequenos.

O lugar fica cheio e pode ser difícil estacionar. Mas dentro, o espaço é amplo e sempre dá para arranjar um lugarzinho confortável. Esse ano, o pátio da Casa está sendo reformado. Então, o evento inteiro está acontecendo no gramado. Porém, a estrutura continua boa. A organização colocou pequenos toldos e a sombra é farta. A criançada aproveita muito.

É possível comprar confetes, serpentinas, apitos, bolha de sabão, água e outros víveres. Mas, ainda bem, aquela espuminha maldita típica do carnaval é proibida por conta das alergias. Ou seja, é tudo muito civilizado e proveitoso.

O pré-carnaval infantil acontecerá em todos os domingos de janeiro. Bia já separou as suas fantasias. A festinha começa por volta das nove da manhã e vai até o meio-dia. Depois, alguns pais almoçam no restaurante regional que a Casa oferece. Nós, geralmente, almoçamos em casa mesmo já que é pertinho. Pois, com tanta farra, basta um banho relaxante e um bom prato para a pequena dormir o sono dos justos tarde afora. Ou seja, barato e cumpre muito bem o objetivo.

Indico muito. Tanto pelo programa, quanto porque é uma excelente oportunidade de conhecer outros pais com filhos pequenos. Essa é uma das atividades que demonstra que Fortaleza não é uma cidade tão grande assim. É impossível ir e não encontrar conhecidos. As crianças brincam e a gente conversa num total clima de segurança. Dessa vez, tivemos o prazer de encontrar a Soraya, o João e a pequena Luna. Luna e Bia dividiram um chá de faz-de-conta com bolacha maisena. E quem sabe daí não surge uma amizade, não é não?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Resposta

Antes que esse blog se torne exclusivamente sobre maternidade, estou trazendo informações sobre o quinto livro para minhas ávidas leitoras.

1) O nome provisório é Resposta. Música de Nando Reis escrita para o Skank.

2) Nós acompanharemos dois casais simultaneamente. 

3) Até agora, o livro já tem 100 páginas escritas. Receio que chegaremos bem perto de duzentas.

4) Será um livro sobre fora. Um dos casais principais não funcionará. E eu achei legal tratar sobre isso.

5) Depois desse livro, a série Nando só terá mais um.

6) Vou tratar de um dos meus assuntos favoritos, mitologia.

7) Algo sugerido na sessão Relicário vai acontecer.

8) Um dos personagens só falará em espanhol. Vou precisar da ajuda de um amigo para isso.

9) Os rapazes estão cada vez mais encantadores. Vai ser difícil escolher o melhor.

10) Alguém será pedido em casamento.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Birra: 10 coisas que NÃO devemos fazer com as crianças de dois anos - Continuação

1) Permitir que eles se responsabilizem pela rotina.
2) Ceder depois de comprar a batalha.
3) Gritar.
4) Bater.
5) Aceitar birra.
6) Culpar por comportamento.
7) Evitar experiências.
8) Esquecer de brincar.
9) Negligenciar educação.
10) Fazer por eles o que podem fazer sozinhos.

Oi, gente.
Ontem escrevi um texto enorme sobre a minha relação com a birra. Falei sobre alguns tópicos dessa lista aí de cima. Hoje, tenho a intenção de continuar com as minhas observações. 

No texto de ontem, falei de momentos que tornam difícil a relação pai e filho com as crianças pequenas. A parte que exige mais da nossa paciência, da nossa maturidade e da nossa disciplina. A birra desgasta. A birra consome a nossa energia e deve ser combatida com esmero. Mas nem tudo é difícil quando se trata de estar com crianças pequenas. Vou te dar pelo menos um motivo para ser mais fácil. A memória delas é curta e dificilmente guardam rancor. Ou seja, você sempre pode tentar novamente. E não, eles não vão ficar com raiva de você para sempre. Uma hora a raiva passa. Por isso, pode tratar de ser firme. As crianças esperam isso de você.

Hoje quero tratar da parte mais divertida de acompanhar uma criança: reviver a experiência da infância. Já falei sobre isso mais de uma vez aqui no blog, os pais da atualidade estão mais preocupados com os perigos do que com viver. As crianças estão presas em apartamentos, não tomam chuva, não pisam na areia, não brincam com cachorros. O universo real delas se reduziu a espaços mínimos. Quarto e sala, porque até a cozinha é perigosa. Em compensação, a internet está aberta para essas crianças desde a mais tenra infância. Eu, particularmente, prefiro um braço quebrado depois de uma queda da árvore do que o tipo de perigo que se pode encontrar na internet.

Ah, Priscila, mas crianças de dois anos não entram na internet! Será? 

Minha filha adora o Bita, Palavra Cantada, Timmy, entre outros. Sou dessas que usam a telinha para entretê-la quando preciso jantar, ir no banheiro, ou numa situação de estresse. Podem me crucificar. Já deixei de me culpar por isso. Entretanto, sempre que possível (e o possível é com frequência durante a semana e sempre no final de semana), andamos na areia, tomamos banho de piscina, brincamos juntos, contamos histórias, lemos livros, vamos a parquinhos, passeamos em lugares novos e desconhecidos. Enfim, existe vida, muita vida, além da telinha do celular. E é esse o ponto, o mundo moderno parece ter apenas a opção da telinha. E essas crianças vão crescer assim com tão poucas experiências físicas e reais. As consequências prometem ser funestas.

A criança precisa viver. Precisa cair. Precisar levar uma dentada e um empurrão do coleguinha. Precisa levar um passa-fora de um cachorro. Não é fácil ver nada disso acontecendo, mas é necessário. Não conseguiremos colocar a criança em uma redoma e protegê-la de tudo. E, se for para acontecer, que seja na sua frente. Que seja com você por perto para acalentar. E o que isso tem a ver com birra? Tudo.

Crianças superprotegidas ficam mais vezes doentes, pois não criam resistência. Crianças superprotegidas caem e se machucam mais, pois não se desenvolvem corretamente. Crianças superprotegidas desconsideram o não. Afinal, se recebem não para tudo, para o que é perigoso e para o que não é (do ponto de vista delas), então não há sentido para o não e elas desobedecem. Sempre. Por isso, diga o máximo de sim que você conseguir. Não para tudo, é claro. Mas para o que der. Assim, ele vai confiar quando você disser um não. Já que não é não mesmo.

"Mas meu filho só quer fazer o que não pode". Certamente que sim. Se você deixar a cargo dele, a exploração será completa. Incluindo o que não pode. Mas como lidar com esse ímpeto explorador? Planejamento. As crianças de dois anos se encantam com todas as atividades que você apresentar. Porém, nem todas as atividades as deixam concentradas. E, mesmo concentradas, o tempo de concentração é curto. Na melhor das hipóteses, 15 a 20 minutos. Mais do que isso é sorte.

Cabe a você organizar essa relação. Não adianta só deixar um brinquedo e esperar que ela brinque. Principalmente, não adianta dar a criança um brinquedo que brinca sozinho, como carrinhos automáticos ou bonecos que fazem de tudo. Isso é tedioso! Até um adulto se cansa fácil. Use brinquedo de construir, de inventar, de montar, de cuidar, de correr e de pular, aqueles que despertam sentidos ou que desenvolvem a inteligência. As crianças adoram imitar os adultos, que tal panelinhas, uma pia para lavar louça ou uma vassoura. E sempre participe com elas. Sempre que a atenção diminuir, sugira outra coisa. Exemplo, nos brinquedos de montar, faça uma pilha alta, faça uma cidade, separe as peças pela cor, forme animais. Sim, é preciso criatividade e preparação.

Aqui em casa, além dos brinquedos, sempre faço as atividades que vocês veem no blog. São tiradas da internet ou da infância. Sempre que vejo algo legal, começo a me preparar e aguardo ansiosa pelo dia de apresentar a atividade à Bia. Tenho vários livros de artesanato também e aos poucos vou fazendo as coisas com ela. O que estou querendo dizer é: não se esqueça de brincar. Brincar é maravilhoso. Tanto porque a infância é uma fase única, quanto porque o brincar é de suma importância para o desenvolvimento humano.

Veja bem, criança tem muita energia. Você pode canalizar essa energia para algo positivo e que você planejou ou deixar que elas descubram a melhor maneira de gastar, o que certamente envolverá abrir armários, subir em móveis e explorar tomadas.

Outra forma de usar essa energia a seu favor é a educação. Sou construtivista por convicção. Acho que para subir uma escada, você precisa pisar em um degrau de cada vez. Você quer que seu filho esteja seguro dentro de uma piscina, então o ensine a nadar. Quer que ele fique seguro dentro de uma cozinha, ensine-o tudo sobre fornos e facas. Claro que ninguém começa pedindo para o bebê cortar uma picanha, mas mostrar as partes da casa pode ser um começo. Abrir a geladeira e deixar ver o que tem dentro. Tocar em objetos gelados e quentes. Sentir no rosto o vapor da panela que ferve no fogão. Ver o fogo. Brincar com gelo. Tudo isso desmistifica a cozinha como lugar proibido e ensina mais que o mero não. Mas exige cuidado, disciplina e planejamento.

Estou ainda me planejando para fazer uma receita com a Bia. Biscoitos provavelmente. Ainda não decidi sobre o lugar. Aqui em casa as bancadas são muito altas e não tenho um banquinho adequado para ela alcançar ainda. Mas vai sair qualquer hora dessas. Quero muito que Bia tenha intimidade com a cozinha, pois já vi casos de crianças que sequer reconhecem as frutas simples, que nunca viram um abridor de lata e, pior do que isso, conheço adultos que não cozinham uma batata. Vida prática, meu povo. Vida prática.

Não podemos negligenciar a educação de nossas crianças por causa do medo, da falta de tempo, do cansaço e da preguiça. Sei bem do que estou falando e do quanto é difícil desligar a santa TV e ir ler o mesmo livro pela milionésima vez, já que ela está pedindo. Ir limpar a bagunça que uma massinha faz. Ou lavar o guache da pintura que caiu na sala depois de botar a criaturinha para dormir. Sou a favor do revezamento de pais, um faz o outro limpa, um distrai e o outro planeja, um lê o outro coloca as coisas na mochila de amanhã. Além disso, a rotina ajuda muito. Pois tem hora para começar, para terminar e para dormir. Sem falar, que você pode e deve unir o útil ao agradável, fazendo de tarefas brincadeiras.

Você pode pedir ajudar para lavar a louça. A Bia adora, ela brinca com uma esponja e sabão do meu lado enquanto lavo a louça. Juntar os bloquinhos pode virar uma competição. arrumar a bolsa pode ser um jogo da memória com perguntas como "O que ainda está faltando?". Enfim, tudo pode virar jogo e brincadeira. Você precisa ter criatividade e confiar na capacidade dos seus filhos. Eu peco muito nisso ainda. Nós nos acostumamos a fazer tudo por eles e é raro percebermos que estão se tornando independentes. Continuamos a fazer tudo. E isso é um erro. Primeiro porque a criança passa a nos ver como uma serviçal a sua disposição para tudo e sempre, o que é péssimo.

Sem falar que, essa idade é ótima para administrar bons hábitos. A criança se sente o máximo quando consegue fazer algo sozinha. É ótimo para autoestima. Quem já fez uma baliza sabe do que estou falando. Então, devemos incentivar a sua independência sempre. Dentro das suas capacidades, é claro. Mesmo que demore. Tenho pedido bastante coisa para Bia e ela vem me surpreendendo muito. Desde tirar a fralda (o que exige demais de sua coordenação motora fina, então é preciso dar uma esperada pelo tempo dela) até jogar coisas no lixo e guardar brinquedos. Isso diminui o estresse e as tarefas entram na rotina sem problemas o que ajuda a manter a casa em ordem, além de ensinar a criança que ela também deve contribuir com o ambiente. Estou satisfeita. Mas ainda estou trabalhando esse aspecto em mim.

Estou satisfeita também com o tamanho do post. Tomara que tenham gostado. 


terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Birra: 10 coisas que NÃO devemos fazer com as crianças de dois anos

1) Permitir que eles se responsabilizem pela rotina.
2) Ceder depois de comprar a batalha.
3) Gritar.
4) Bater.
5) Aceitar birra.
6) Culpar por comportamento.
7) Evitar experiências.
8) Esquecer de brincar.
9) Negligenciar educação.
10) Fazer por eles o que podem fazer sozinhos.

Amigos, não sou especialista, sou mãe. O post de hoje é só um produto da minha experiência e leitura. Mas já começo avisando que a lista serve para mim mesma também. Muitos desses tópicos são diretrizes que tento seguir na maioria das vezes. Mas, como todos nós, a rotina e o cansaço do dia também me vencem de vez em quando.

Aos dois anos, as crianças começam a ter consciência de que elas não são conectadas a pai e mãe, que têm vontade própria. E elas vão testar os limites. O quanto podem decidir sozinhas. O quão longe podem ir. Vão mesmo. E isso é bem mais pensamento científico puro do que um complô para acabar com seu final de semana. Então, prepare-se para a birra.

A primeira coisa para aprender a lidar com a birra é não levar para o pessoal. A criança não está fazendo isso para lhe aborrecer. Ela precisa de você para aprender a lidar com uma situação típica da condição humana: a frustração. Se você grita, bate, berra, foge, é assim que ela vai reagir também, já que você é o exemplo. Respirar fundo e ter consciência do que se passa pela cabeça do pequeno são as melhores armas para lidar com a situação, além de doses frequentes de muita paciência.

Ataques de birra são inevitáveis nessa idade. Se a criança não faz birra, isso é sinal de alerta para problemas neurológicos. Entretanto, a disciplina e a técnica ajudam a diminuir a frequência dos ataques. Vamos discutir o motivo e o valor de alguns tópicos acima.

A primeira questão que eu trouxe é a rotina. Rotina é tudo. Deve ser aplicada a partir dos primeiros dias de vida do bebê. Embora, caso você não a tenha e seu filho já conte três anos, toda hora é hora para começar. E o que é uma rotina? Fazer todo dia a mesma coisa, na mesma sequência, mais ou menos na mesma hora. Haja disciplina. Vou logo avisando, nem sempre se consegue, mas deve ser a sua prioridade. Vamos ao porquê.

Crianças pequenas não têm controle sobre nada. Não conhecem o mundo. Tudo é absurdamente novo e inesperado. É uma total ausência de controle sobre si mesmo. Isso é desesperador (se coloque nessa situação, hoje você pode ser abduzido por um alien, daqui a vinte minutos podem te lançar num foguete rumo ao sol, dali a pouco te apresentam ao bicho-papão que você nem sabia que existia). A rotina dá uma certa impressão de controle, pois a criança sabe o que vem depois: toma banho, escova os dentes, lê história e dorme. Todo dia é assim. Sem surpresas.

Não existe isso de "Ele não quis dormir, então vamos brincar um pouco para cansá-lo". Totalmente ineficiente. Você está ensinando que "se eu insistir ou chorar, vou brincar mais". E tome choro da próxima vez. Isso é deixar a criança ser responsável pela rotina. Ela decide se dorme, ela decide se come, ela decide se vai para a escola. Nada disso. Você decide. A criança acompanha. "Mas ele chora". Se ele chora, você escuta. Você acalenta. Mas você não dá opções. Assuma seu papel de adulto. É o que ele espera de você. Aliás, ele precisa que você seja um adulto equilibrado para aprender a ser um e para ter a liberdade de ser a criança. Se é hora de dormir, é hora de dormir. Melhor três dias seguidos de choro e um sono tranquilo do que choro toda hora para resolver tudo. Porque aí sim a paciência acaba se esgotando.

Por isso, escolha suas batalhas. Enfrentar uma birra exige maturidade. Você precisa saber exatamente o que está enfrentando. Já disse, não é pessoal. Mantenha a calma. Acontece com todas as crianças. Coloque sua criança num lugar seguro (As crianças são espertas e sabem que nos exasperamos com sua segurança, vão se debater e jogar a cabeça, pois sabem que agiremos mais rápido se assim o fizerem). Mostre-se empática, diga que lamenta, que entende a frustração, mas que não, ele não vai poder fazer aquilo (ou terá de fazer, se for o caso). O choro vai aumentar de volume. Diga que está ali, mas que não vai ceder. E ignore, não olhe nos olhos e não barganhe. Nada de "meu amor, se acalme, você quer assim, quer assado, não chore, por favor". Em algum tempo, a criança vai diminuir o choro, afinal, não está sendo eficiente e ela não teve sua atenção. Você aproveita e explica novamente o que quer que ela faça. Ela vai aumentar o volume novamente. Repita o processo até ela ceder. 

O máximo que já passei com a Bia nesse processo foi uma hora e meia. Acho válido. Vale cada segundinho de berro pela resposta que ela me dá depois. Conto três situações assim até hoje. E todas compensaram. 

Não sou a favor de deixar a criança sozinha durante o processo, acho que dá uma sensação terrível de abandono. Eu fico lá. Eventualmente dou um abraço para ela saber que estou com ela, que estou ajudando a lidar com a frustração, mas não cedo. Vai ser do jeito que eu disse que seria. Entretanto, não dá para fazer isso em qualquer lugar, vocês concordam comigo? Imagine o escarcéu de usar essa técnica no meio do supermercado. Quantos olhares te julgando. Por isso, escolha suas batalhas. Se vai entrar, é para ganhar. Nada de uma hora de técnica para deixar a criança fazer o que quiser depois. Se acha que vai ceder, deixe logo. Fica parecendo que você permitiu e não que ela venceu a disputa. Ou seja, se você está com enxaqueca e a criança quer ver televisão em uma hora que você não permite, é melhor mandar um "hoje pode" do que entrar numa batalha que claramente você vai perder.

Ou mais, se você está em um lugar inóspito e a criança começa um ataque de birra, às vezes é melhor tirar a criança do ambiente sem muitas explicações do que perder a disputa por vergonha sua e seu filho entender que as regras variam de lugar para lugar. 

Tive um momento assim nesse fim de semana, por isso estou escrevendo o post. Bia teve um ataque de birra na hora de jantar na casa de praia onde eu estava sozinha com ela e mais dois casais de amigos sem filhos. Levei ela para o quarto e foi uma hora de choro. Eles devem ter ficado chocados, tadinhos. Mas a eficiência da disciplina convenceu a todos no restante dos dias, pois depois dali, a menina foi um doce. Até me perguntaram o que eu tinha feito. Expliquei.

Obviamente, eles só ouviram o choro dela, nem ouviram minha voz. Falei baixo e pacientemente. Foi difícil como um todo. Pensei em desistir várias vezes. Geralmente eu conto com o Raphael para revezar essa tarefa, mas eu estava só. Cantei um pouco. A música tem esse poder. Em toda escolinha infantil vão te ensinar a cantar o tempo todo. Quando eu trabalhava numa escolinha, pensava que era para as crianças. E é também. Mas ajuda a manter o foco em outra coisa. Quando o clima está tenso, você canta e as crianças (e você) acompanham a canção e perdem um pouquinho o foco da discussão, abrindo a possibilidade do diálogo.

Se você gritar, a criança grita (Não vamos nem entrar no mérito do bater). Somos exemplos o tempo inteiro. Michael Tomasello, que estuda Antropologia Evolutiva, chegou à conclusão, estudando a semelhança entre homens e chipanzés, que o que nos diferencia evolutivamente é que os chipanzés aprendem prioritariamente por tentativa e erro, enquanto os humanos aprendem prioritariamente por imitação. Isso explica que o um chipanzé de dois anos se vira sozinho na mata, já um bebê de dois anos é totalmente dependente, esse é o custo da nossa inteligência. 

Olha o tamanho da nossa responsabilidade! Aos dois anos, o cérebro humano do bebê está adaptado evolutivamente para imitar tudo que nós (adultos) fazemos. Se grito de alegria, ele grita. Se mostro raiva diante da frustração, ele também mostra. Se como verduras com prazer, ele também come. Se eu leio, ele quer ler. Então, queridos, ao lidar com a birra, simule uma reação, mesmo que não seja a sua. Aja com calma, respire fundo, controle o tom de voz e diga como está se sentindo e que compreende a frustração dele. Vale até pedir para sair por uns minutos, caso a paciência tenha se esgotado. Essas são as estratégias que você está ensinando seu filho a ter ao lidar com a frustração. Talvez, em algum momento, você precise de outra pessoa para ajudar. Dois adultos é sempre melhor do que um, se um cansa o outro assume, contanto que o discurso seja uníssono.

Portanto, colegas, ouso dizer que seu filho não é especial. Ele não é mais ativo do que o dos outros, mais esperto, mais malandro, mais mal-educado, mais traquina, mais inteligente. Essa é a desculpa mais usada pelos pais que entregam a rotina aos filhos pequenos, que não compram as batalhas corretas e que se eximem da responsabilidade de criar seus filhos mais com exemplos do que com palavras. Eles aceitam a birra como uma condição natural da sua criança, que é diferente das crianças dos outros desde nascença, sem ter absolutamente nada a ver com isso, nem um pingo de responsabilidade no processo. E lidam com cada birra como se fosse isolada uma da outra: é sono, é fome, é vontade de brincar com o brinquedo do colega que não empresta, é porque está em um lugar estranho, é porque não acordou bem. Aí fazem logo o que a criança quer para evitar o choro, aí gritam, aí batem, aí imploram misericórdia a criança, aí barganham e chantageiam... Zero consistência na ação. 

A criança, enquanto mente pensante, não percebe o limite. O raciocínio normal é: "vou ver até 'onde dá. Opa! Não consegui. Tento de novo. Tento de outra forma. Não deu. Desisto." Nesses casos é: "vou ver até onde dá. Opa! Não consegui. Tento de novo. Consegui. Tento outra vez. Não deu. Choro mais. Consegui. Entendi, se eu chorar, se eu bater, se eu gritar, cedo ou tarde, eu consigo".

Amigos, a criança de dois anos é um produto do que fazemos com ela. A birra é natural da idade. A persistência da birra é consequência das nossas ações. Dói demais ouvir isso, mas não podemos responsabilizar totalmente uma criança dessa idade pelo seu comportamento, pois ou é repetição de algo que nós ensinamos ou é típico da idade.

Estou adorando escrever esse post, mas ele já ficou grande demais. Amanhã continuo minhas explanações sobre os outros tópicos. Beijos de luz!


segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Americanah

Oi, gente!
Como foi a virada de ano de vocês? Fim de ano é sempre época de refletir sobre o que poderia ter sido e o que ainda pode ser. O meu fim de ano foi muito promissor nesse sentido. Mas esse é tema de outro post.

Hoje, trago mais uma resenha de livro. Dessa vez, um livro adulto. Uma das promessas que me fiz ano passado foi ler alguma coisa de origem africana. Sempre que falo sobre a literatura da África, sinto que me falta base. que nos falta base. Fala-se ainda de um continente como se fosse um país. E da pobreza como se fosse uma condição que permeia a todos naquele lugar. E toda generalização é burra. 

Tinha me programado para começar essa inserção no continente por Mia Couto, moçambicano de sucesso no meio literário e que compartilha conosco a língua portuguesa. Mas o discurso feminista de Chimamanda Adichie acabou chamando minha atenção e pulou a fila. Além do fato de ela ser uma negra. O que a meu ver confere um pouco mais de proximidade com a realidade local que eu gostaria de ver.

Adichie tem livros premiados como o Hibisco Roxo e o Meio Sol Amarelo. Esse dois têm temas pesados como violência doméstica e opressão religiosa. Eu, particularmente, não estava com vontade de começar minha exploração literária pelo óbvio do sofrimento. Então, encontrei Americanah, uma história de amor entre um homem e uma mulher, um assunto ameno, mas que serve como plano de fundo para mostrar o que nos parece invisível.

Em Americanah, acompanharemos a história de Ifemelu e Obinze, dois nigerianos que se apaixonam ainda na escola. Os dois são classe média, embora Ifemelu seja filha de um funcionário de empresa particular que chega a ficar desempregado e Obinze seja filho de professora universitária, o que lhe garante certas regalias. Eles vivem todos os conflitos normais da adolescência, a timidez, a iniciação sexual, a diferença entre famílias. Tudo igualzinho a qualquer lugar no mundo.

Em paralelo, Adichie aproveita o contexto da Nigéria dos anos noventa para falar da influência funesta de certas igrejas evangélicas sobre um povo crédulo e ignorante, para tratar das relações de poder dentro da sociedade, onde a ética está diretamente ligada ao dinheiro, ou seja, tudo que as pessoas ricas fazem é correto ou é amenizado, para comentar o papel submisso da mulher, que mesmo com maior escolaridade e ganhando mais, ainda depende de uma figura masculina para ser alguém.

Em determinado momento do livro, Ifemelu e Obinze estão na universidade, porém, as greves são frequentes. Alguém sugere que tentem bolsas no estrangeiro. E Ifemelu é a primeira a conseguir a bolsa nos Estados Unidos. As promessas de reencontro entre eles são inúmeras, entretanto, quando chega a vez de Obinze, caem as Torres Gêmeas e os EUA fecham as suas portas para os estrangeiros. O que vai gerar uma separação de mais de dez anos entre eles.

A parte do livro que corresponde a Ifemelu nos Estados Unidos é a mais doída. Pelo menos, para mim, foi. Pois é onde vemos que o exótico está em nós, está nos nossos "olhos ocidentais". Adichie é divertida, de leitura fácil, mas é contumaz e objetiva também. Traz um caleidoscópio de situações em que fica claro o quão preconceituosos em níveis tão profundos nós somos. Em uma situação, Ifemelu conta que só se sentiu negra quando chegou na América, porque antes disso ela se sentia gente. Que só percebeu que havia diferença lá. E é bem isso. Você tem salões para negros, escolas para negros, bairros para negros. Fora desses lugares, o negro é exótico. As pessoas a param para falar de caridade e de assistencialismo e ela deseja várias vezes ser do lugar que dá ajuda ao invés de ser do lugar que recebe ajuda, pois sempre tem que se posicionar como a agradecida, sendo que as pessoas não a tratam bem.

Simultaneamente, acompanhamos o crescimento de Obinze em Lagos na Nigéria, o que também não foi fácil. Apesar de ser um cara competente e honesto, Obinze vai perceber que a Nigéria é um poço de corrupção, onde as pessoas enriquecem de maneira ilícita de forma fácil, contanto que não tenham escrúpulos. Depois de uma temporada terrível na Inglaterra, Obinze se torna uma dessas pessoas. E se inicia no mundo dos negócios sendo laranja de uma operação financeira. Fica rico e vazio. Casa-se com uma esposa religiosa e vazia, que não o faz feliz, que não o contradiz, que faz tudo o que uma esposa nigeriana da melhor qualidade deve fazer, mas que tem personalidade zero e ele sente falta da sinceridade de Ifemelu.

Ifemelu, por sua vez, apesar de ter conseguido o desejado visto americano (depois de namorar um branco rico, diga-se de passagem), também começa a se sentir vazia. Começa a sentir falta de ser nigeriana e dos traços típicos do seu povo. Sente falta também de Obinze. Resolve voltar. E aí vem uma outra nuance da história que nós brasileiros conhecemos bem, o complexo de vira-lata. Ao voltar para casa, Ifemelu reclama de tudo, do trabalho, do trânsito, da comida, dos serviços, até tomar consciência de que nos Estados Unidos também não é tudo perfeito.

O reencontro com Obinze é inevitável. Os dois vão ter de se readaptar às pessoas que se tornaram e aceitar as suas imperfeições É um final aberto e bonito. Simples como a situação pedia. Gostei. Os personagens me ganharam. E eu recomendo. Poderia dar pelo menos uma dezena de exemplos desse livro que me tocaram, mas o post ficaria imenso. Apenas recomendo a leitura. Foi uma experiência muito bacana. E, principalmente, cumpriu um dos objetivos da literatura, abrir seus olhos para realidades que simplesmente não alcançamos. Terminei essa história muito mais empática do que comecei.