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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Trecho do capítulo IV de Do seu lado




Acordou no outro dia muito cedo e bem disposta. Sorriu para a mãe mostrando o resultado da visita ao dentista na cozinha na hora do café, mal cumprimentou um Antonio sonolento saindo do quarto seguindo a voz dela, jogou-lhe um beijo apenas e ele nem teve tempo de falar aspettami[1] sem que Malu tivesse descido correndo as escadas.
Pegou a bicicleta e foi passear perto da praia, sem medo de assalto ou de acidente de carro, fatores que a impediriam antes.
Vinícios e sua turma já estavam lá batendo o racha no lugar de sempre. Ela resolveu testar sua convicção e parou a bicicleta ali mesmo. Ficou assistindo ao jogo e esperando o ataque.
Gustavo tinha a tarefa difícil de tirar a bola dos pés de Vinícios. Malu nunca tinha reparado em como ele jogava bem, a bola simplesmente lhe obedecia, praticamente sentia atração pelos pés de Vini, mesmo no complexo terreno da praia, ele driblava e corria com a bola sempre ali, dominada. Gustavo era o último antes das traves improvisadas. Inevitável. Gol.
Vini correu sem camisa para cumprimentar seus companheiros de time e a viu no calçadão batendo palmas. Sorriu meio sem saber o que dizer ou fazer, ela sorriu de volta. E, ao contrário do que ele esperava, Malu não subiu na bicicleta e saiu da frente de suas vistas o mais rápido que pôde, ficou ali paradinha, encostada na bicicleta, com os braços cruzado, assistindo ao jogo.
Ele tentou se concentrar novamente na partida, mas a todo instante olhava para o calçadão. Até que perdeu duas bolas perfeitas seguidas, desistiu do jogo e pediu para sair.
Deu um mergulho no mar na tentativa de organizar os pensamentos. O que ela queria ali? Onde estava o bonitão italiano? Será que queria conversar?
O que quer que fosse, desta vez ele ia se controlar para não estragar aquele primeiro sorriso trocado em tantos anos.
– Oi. – disse chegando perto dela com uma expressão desconfiada.
– Oi, Vinícios. Bonito gol.
– Valeu.
Como ela não falasse, nem se mexesse que não fosse para tirar o cabelo do rosto, ele ficou se sentindo um pouco estúpido parado ali na frente.
– E então, esperando alguém? – sacudiu o cabelo molhado.
– Na verdade, tô sim. – disse decidida, estava preparada.
 – O bonitão italiano de quem todas as meninas do colégio estão falando nessas férias e que não sai do seu pé... O que você fez com ele? Macumba? – perdeu um pouco da compostura e já estava a um passo de estragar tudo, controlou-se.
– Não. – olhou diretamente nos olhos dele – Estava esperando você tentar me humilhar de alguma forma porque hoje estou disposta a me defender... – inacreditavelmente sorriu e ele percebeu que ela tinha tirado o aparelho e não conteve o sorriso também, ela estava mais linda do que jamais esteve – Acontece que ontem percebi que você é o menor dos meus problemas... – uma breve pausa para respirar e ela continuou com firmeza – E não quero começar mais um ano com probleminhas deste tipo.
– Sério? – gostava do ar contestador naqueles olhos castanhos mirando os seus. – Então, o que vai fazer? Cadê sua metralhadora para me exterminar...
– Que é isso, Vinícios! Não preciso de metralhadora, não, umas boas chineladas te colocariam no teu lugar...
– Aproveite meu bom humor, então, e dê logo essas chineladas... – virou o bumbum para o lado dela que não pôde deixar de rir.
– Deixe de gracinhas. – fechou a cara – Eu só quero saber o porquê? Por que você faz isso comigo se com as outras pessoas você é razoavelmente legal?
– Obrigado pelo “razoavelmente legal”...
– Responde! – nem ela acreditou no tom autoritário com que deu esta ordem – Por favor... – amenizou.
Ele pensou nas mil respostas que poderia dar a esta pergunta, incluindo toda a verdade, mas diante do olhar inquisidor da garota parada a sua frente, agindo de um jeito que ele não acreditava mais que ela fosse capaz de agir, apenas disse:
– Porque você nunca revidou... Nunca disse que não gostava. – levantou os ombros displicentemente.
Malu esperava uma conversa com traumas do passado, ou até mesmo que ele entrasse naquela de ofendê-la como sempre, jamais uma resposta tão idiota, insistiu:
– Anos de ofensa, simplesmente porque eu não disse que não gostava... É isso? Só isso que você tem a me dizer...
– Bem... Não posso dizer que depois não acabou virando mais um hábito... – por dentro ele era um turbilhão de emoções, porém, falava com tranquilidade.
– Sendo assim, Vinícios, gostaria de informá-lo de que não gosto nem um pouco das suas brincadeiras estúpidas e estou pedindo a você que pare com elas. Seria pedir demais?
– Acho justo. - confirmava com a cabeça - Vou considerar sua proposta. Mas o que eu ganho com isso?
– E o que você deveria ganhar?
– Ah! Muita coisa. Uma vez que já espero por este interrogatório há tantos anos... – ele foi se aproximando dela, encarando-a nos olhos, questionando se aquela era a mudança que esperava.
Malu não desviou o olhar, mas a proximidade do corpo de Vini, sem camisa, todo molhado, estava tornando complicado para ela controlar o medo que sentia dele. Quanto mais porque em todo esse tempo, ele nunca se aproximara dela tanto, nem assim...
– Olá, gente.
André acabara de chegar e se espreguiçava erguendo os braços compridos ao lado da bicicleta de Malu. Estava com óculos escuros e quando os tirou ficou bem óbvio pela cara de ressaca porque não chegara a tempo para o racha da manhã.
Vini passou a mão pelos cabelos. Jamais detestou tanto rever o melhor amigo. Já Malu pensou consigo como André sabia ser apropriado, como se tivesse um instinto para protegê-la.
– Oi, André.
– Ah! Tirou o aparelho, né? – bocejou e no meio de um sorriso falou na maior tranquilidade – Ficou ainda mais bonita.
– Obrigada. – incrível como aquele rapaz sabia ser observador e gentil naturalmente, motivos que a faziam amá-lo.
No pensamento de Maria Lúcia, André era um rapaz rico que bem poderia ser um playboyzinho enfadonho, mas, na verdade, comportava-se muito bem.
Não era um bom aluno definitivamente, mas quem liga para isto. Tinha várias dificuldades, principalmente em Biologia e Matemática. No fim do ano, Malu acabava sendo chamada para dar umas aulas particulares. Adorava esta oportunidade de ficar junto dele.
Ele gostava de baladas também como todo jovem. E de mulheres. Malu pensava que, de fato, as mulheres é que gostavam dele. Também, como não gostar?
– E, aí, Malu, vai para Festa de Réveillon lá de casa? Devia ir... Meus pais adoram esta festa. Gastam rios de dinheiro pra todo mundo se divertir. Vai a maior galera do Santa Inês...
– Não sei, André. Minha mãe casa nesse dia.
– Pô! Legal. Nunca ouvi falar em casamento nesse dia... - disse casualmente - Mesmo assim, querendo aparecer por lá depois da meia-noite será muito bem-vinda.
– Talvez... Talvez... – ela media dentro de si quanto de coragem acumulara a ponto de encarar uma festa como aquela.



[1] Me espera

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