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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

RELICÁRIO




I
Meu nome é Adriano. Costumava ser médico, marido e pai. Eu tinha uns trinta e quatro anos quando morri no início do século vinte um. Morri em um acidente de carro. Eu voltava para casa de manhã depois de um plantão longo e cansativo. Um plantão cheio de vítimas de acidente de carro.
O motorista embriagado atravessou o sinal em alta velocidade. Não vi nem senti nada. Apenas acordei e percebi que estava morto. Não convém falarmos desse processo, afinal, este não é um blog espírita. Mas, fica a dica. Se eu continuo aqui para te dizer alguma coisa é porque algo existe por detrás do véu.
Com relação ao motorista, ele sobreviveu. Já tive bastante raiva desse cara. Principalmente quando eu ainda pensava que era por causa dele que eu não veria meu filho crescer. Enfim, percebo hoje que nem uma folha cai de uma árvore sem a permissão de Deus. Se eu morri, era a minha hora. Só posso me conformar. Acho que me conformei, mas não posso negar, não é uma tarefa fácil.
Eu amava demais meu filho. E não era desses amores de orgulho do filho macho não. Era encontro de almas mesmo. Quando eu segurei o Vinícios pela primeira vez nos braços, eu entendi o que era a eternidade. Eu sabia que estava reencontrando alguém muito querido. Alguém que fez parte das minhas vidas. A gente se entendeu pelo olhar desde suas primeiras fraldas sujas da madrugada que eu fazia questão de trocar.
Ele era um garoto incrível. Inteligente, companheiro ao extremo, divertido. Na verdade, ele ainda é tudo isso. Quem não é mais, sou eu. Vinícios virou um rapaz lindo. Lindo mesmo. Eu morri, posso falar sem falsa modéstia, pois esse tipo de coisa é para os vivos: meu filho é um cara presença. A mulherada cai matando. Fico muito orgulhoso de ter contribuído pelo menos com isso na sua formação, pelo menos com o DNA. Ele tem os meus olhos e os meus dentes. No mais, para sorte dele, fisicamente, parece com a mãe. Garanto a vocês, a mãe de Vinícios é uma mulher espetacular. Uma morena esguia e torneada que faria meu corpo, se eu ainda tivesse um, estremecer.
Entre nós dois sempre foi assim. Lembro-me de que ao conhecê-la, eu, um cara tão certinho, estudante de medicina, noivo de moça direita de sociedade, só pensava em puxar seus cabelos enquanto me satisfazia de prazer com cada detalhe daquele monumento feminino. Era impossível me concentrar no que quer que fosse que ela estivesse falando. Na minha mente só vinha sexo, sexo, sexo.
Antes que a gente descreva aqui mais 50 tons de cinza, devo esclarecer que eu era um bom moço, não um tarado. Sempre me considerei racional. Chegava a ser previsível em minhas atitudes, eu sempre fazia o certo. Até hoje, não sei explicar o que aconteceu comigo. Eleonora mexeu com o que havia de mais primitivo em mim. Com ela, eu me descobri bicho, eu me descobri homem.
Conheci Eleonora no auge dos meus vinte sete anos, eu não era nenhum menino, já fazia residência médica, e estava de casamento marcado com a Gisele para dali a quatro meses. Meus pais adoravam a Gisele, a educação da Gisele, a família da Gisele e mais ainda o dinheiro da família da Gisele. Não que a minha família precisasse de mais dinheiro. Meu pai é um dos maiores advogados do país. Acho que meu pai e minha mãe simplesmente aprovavam uma relação que na cabeça deles seria boa para todo mundo.
E eu mesmo, bem, eu também gostava da Gisele. Ela era uma moça muito educada. Tinha um sorriso encantador. Era um amor de pessoa. Ela me fazia muito bem. Preocupava-se comigo. Tomava conta dos meus compromissos. Enfim, sei que Gisele seria uma esposa maravilhosa. Tanto sabia que a pedi em casamento. E não fui forçado a isso não. Pedi porque quis. A gente namorou por mais de quatro anos. Era natural que a gente casasse. Entretanto, depois daquele encontro com Eleonora, pareceu-me muito mais natural fugir com ela para o meio do mato e esquecer que a humanidade existia.
Eleonora fora a professora de dança contratada por Gisele para nos ensinar a dançar a valsa do casamento. Gisele era perfeccionista. Estava cuidando de cada mínimo detalhe da festa. Depois de ter visto meu irmão mais novo dançando no nosso jantar de noivado, quis contratar uma professora para nós dois. Artur andava enrabichado por uma moça que dançava também, estava fazendo aulas de dança de salão e ensaiava com muito afinco para impressioná-la. Eu ria muito quando o pegava dançando todo sério pelos corredores. Pelo jeito, suas aulas deram resultado, porque o caçulinha da mamãe arrasou na performance com a obesa Tia Teresa, convencendo Gisele da necessidade de aulas com uma profissional.
Ela deve ter se arrependido da contratação, é claro. Assim que Eleonora entrou no meu campo de visão, o resto do mundo parou de fazer sentido. Isso ficou meio óbvio pela minha reação. Eu me comportei como um animal faminto que encara a presa. Eleonora tentou ser simpática e profissional, mas ela também não conseguiu. Nós fomos atraídos um para o outro com violência. Seus olhos não saíram dos meus por nem sequer um segundo.  E quando ela foi me ensinar a postura inicial da dança, sua cintura foi a primeira parte do seu corpo que eu tomei com minhas mãos.
Três meses dali, eu fugi de casa para me casar com ela. Um pouco mais de um ano depois, eu segurava Vinícios no meu colo. Resistir teria sido inútil da minha parte, da parte dela ou da parte de Gisele. Mesmo assim, coitadinha, ela ainda tentou.
Eleonora era mais nova do que eu cinco anos. Se eu não entendi a reação do meu corpo, imagina ela. A essa altura da vida, já era uma professora experiente. Conhecera nos seus anos de dança vários rapazes desejosos de possuí-la. Só nunca sentira antes atração tão forte por um deles. E eu, apesar dos meus olhos verdes muito claros pedirem mais e mais, comportei-me como um cavalheiro na frente da minha noiva. Não mexi um centímetro de mão além do que me foi ensinado. Mas nem foi preciso fazê-lo, depois que a enlacei em meus braços, nós já pertencíamos fisicamente um ao outro.
Depois da aula, Gisele me afastou do jardim às pressas, falou mil impropérios sobre Eleonora. Criticou do salto desgastado ao cabelo solto. Eu não ouvi uma palavra. O estrago já tinha sido feito. Eu nuca mais seria capaz de ver minha noiva como mulher. Aliás, enquanto eu vivi, nunca mais consegui enxergar outra mulher que não fosse Eleonora.
Como um viciado, eu precisava de mais pele, de mais contato. Disfarcei o quanto pude, inventei uma emergência, fingi que iria para o hospital. Fui para a academia que meu irmão frequentava. Eu nunca tinha ido lá de fato, certa vez, ao passar pela rua, Artur mencionara que era ali, eu nem saberia dizer como me lembrava o caminho, praticamente, eu a seguia pelo cheiro. Louco, percorri as salas uma a uma. Na última, encontrei Eleonora. Ela estava dando aula para quatro casais de adolescentes. Disciplinados, os rapazes e moças seguiam uma coreografia elaborada de tango. Ela marcava o ritmo dos passos batendo com um bastão no chão. Ao me ver parado na porta, levou as mãos a boca e deixou o bastão cair no chão.
─ O que você está fazendo aqui? – Perguntou. Ela também fizera muito esforço para se controlar durante a tarde em minha casa. Deu graças a Deus quando a moça detestou a aula e desistiu do pacote. Não pretendia interferir na felicidade de ninguém e se continuasse a dançar comigo, bem, aconteceria exatamente tudo aquilo que de fato aconteceu. Por tudo isso, enfrentar-me mais uma vez era tudo que ela não queria.
Eu entrei na sala de aula sem pedir licença e sem tirar meus olhos dos dela. Nem que eu quisesse eu conseguiria tirar meus olhos dos dela.
─ Você esqueceu uma coisa lá em casa, professora. – Encontrei forças para ser brincalhão e provocativo. Eu sou naturalmente brincalhão e provocativo, mas não estava no meu natural naquela hora. Eleonora nem falou coisa alguma, ficou me encarando com uma cara danada de “o que?”, afinal, ela não sentira falta de absolutamente nada. – Você se esqueceu disso aqui. – Depois da frase de efeito, eu praticamente a agarrei no meio da sala e tasquei-lhe um beijo que nem eu mesmo me sabia capaz de dar. Lembro bem de ouvir a quilômetros de distância os aplausos dos adolescentes.
Foi a experiência mais excitante de toda a minha existência. Cheguei a sentir dor física tentando separar minha boca da dela, meu corpo do dela, minha alma da dela. Eu já tinha me apaixonado algumas vezes na vida. Sempre fui um cara romântico, cuidadoso, que repara nos detalhes, mas aquilo foi totalmente diferente. O amor é um negócio totalmente diferente.
─ E aí, você quer que eu espere lá fora ou que eu desapareça das suas vistas para sempre? – Perguntei depois do beijo. Coitadinha da minha futura mulher, não conseguia nem respirar direito, quanto mais raciocinar. Fui esperto, confesso. Eu não queria mesmo que ela raciocinasse, se fizesse isso, era capaz de não me querer. E eu precisava e muito que ela me quisesse.
─ Acho... – ajeitou delicadamente os cabelos negros e lisos enquanto recuperava o fôlego e a compostura – que depois desse beijo, o mínimo que o senhor pode fazer é me esperar lá fora bem quietinho até que eu termine minhas aulas.
Esperei felicíssimo até dez e meia da noite. Nem fome eu senti. Contei cada estrela do céu rememorando aquele beijo mágico. Meu coração vinha na boca de tanto que batia. Eu já tinha vinte e sete, mas voltei a ser adolescente. A mão suava, o corpo estremecia, o tempo não passava. Até que ela apareceu, eu já tinha mil declarações de amor prontas para serem ditas, nenhuma palavra foi mencionada. A boca dela procurou a minha e essa foi a declaração mais bonita de todas.
Terminei meu relacionamento com Gisele na mesma semana. Teria terminado antes se ela não tivesse passado tantos dias tentando fugir de mim e daquilo que ela saberia que eu iria dizer. Meus pais surtaram quando descobriram. Era escândalo em cima de escândalo. Palavras duras que nem me atingiam. A essa altura, eu já tinha a medida de todas as coisas. Eu já tinha certeza. Eu já sabia de tudo aquilo que mais importava no mundo. Eu já sabia exatamente o peso do corpo da minha mulher em cima do meu.



segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Big Bang



Oi gente que eu nem sei quem é,
Tão difícil começar a escrever.... Nunca tive problemas com uma folha em branco, mas hoje, parece que é diferente. Parece que eu vou começar algo novo. Algo realmente importante. Estou nervosa, querendo muito que dê certo. De um jeito ou de outro, para mim, tanto faz. Por isso, começo esse blog. Mesmo sabendo como é incrivelmente devastador escrever para o nada. Escrever olhando para o vazio.
Não me leve a mal, já fui muito de escrever na net. Já ri bastante, já conversei com gente desconhecida, já entrei em furada, já cansei das redes sociais, já voltei para elas... Enfim, que fique claro que não sou uma alienada, uma analfabeta digital ou qualquer coisa dessa natureza. Acontece que, em algum momento, eu tive de crescer. E quem escreve dissertação não tem tempo para ficção.
Mas aí o mestrado acabou, eu passei num concurso e comecei a trabalhar. Aos poucos fui me adaptando, colocando cada coisa em seu lugar até que deu tempo de fazer a coisa que mais gosto no mundo: contar estórias. Adoro a cara dos meus alunos quando conto o mito de Eros e Psiqué na sala de aula todos os semestres. O rosto ansioso de quem espera pela próxima cena, pela próxima reviravolta na vida dos personagens. Quando eu conto uma estória, novamente entro naquele universo e vejo como um filme os personagens criando vida na minha frente...
Gosto tanto dessa sensação que acho que foi por isso que eu comecei a escrever. Eu queria mesmo ver onde aqueles personagens que eu estava conhecendo na minha cabeça iriam chegar. Fui a primeira ouvinte das suas peripécias (tá, confesso, sempre quis usar essa palavra). Depois, foi surgindo um desejo de falar sobre esses personagens, se o que eles fizeram foi bacana, foi legal. Eu precisava deixar uma porta aberta para esse meu universo particular e transformá-lo em mundo palpável. Entregar meu universo para os outros. Partilhar minhas ideias. O ser-humano é um ser social, fazer o que?
Terminei de escrever meu primeiro livro. Uma estória de adolescentes tão queridos, tão meus, tão reais. Tenho o maior carinho por cada um deles. Aos poucos, vocês vão conhecê-los. Se isso aqui der certo, quem sabe um dia você não vai encontrá-los na livraria? Esse é o meu grande sonho.
Mas vou te contar, ouvidos do infinito que nem sei se estão escutando, essa não é uma tarefa fácil. Publicar um livro é difícil. Mais difícil ainda é ser visto. Ser valorizado. Ser reconhecido sem ser BBB.
Nesse blog, quero contar minhas tentativas e frustrações desse caminho obscuro da publicação. Será que eu chego lá? Li por aí que demora em média dez anos para um escritor ser reconhecido. Será que eu aguento? Será que meus amigos vão me aguentar lendo e relendo meus projetos? Coitados!
Provavelmente, você deva estar querendo saber o que foi que eu já fiz para esse sonho se realizar. Bem...  Por enquanto, estou inscrita num concurso literário e também recebi uma proposta de uma editora razoavelmente grande, mas eu teria de pagar uma parte da tiragem da primeira edição. 500 exemplares por R$6000,00.
Infelizmente, ainda não tenho esse dinheiro. Mas foi bom saber que uma editora se interessou por mim. Que alguém que leu e trabalha com isso, gostou do que viu e acha que tem potencial de mercado. É um incentivo.
O que nos leva novamente ao blog. Vocês não me conhecem. Bom, pelo menos uma parte de vocês, já que meus amigos, família e alunos vão acabar descobrindo esse blog também, o que vai me deixar morrendo de vergonha. Mas tudo bem. Quem tem um sonho, não pode ter vergonha de realizá-lo.
No blog, pretendo publicar também, estórias paralelas às dos livros que vou escrevendo. Assim, vocês vão me conhecendo e conhecendo meus personagens. Vou fazer de tudo para seduzir vocês, prometo.
Também li por aí, que a internet é um tipo de fada moderna. Ela realiza desejos. Impossível mensurar o poder de uma mensagem dentro de uma garrafa, lançada no infinito. Se você está lendo essas palavras é porque de alguma forma o destino nos uniu e eu tenho a oportunidade de te mostrar um pouco do meu universo particular. O destino está nos dando uma chance de nos conhecermos, de nos identificarmos. Acho que isso vale alguma coisa.
Quem sabe você não é um grande editor? Quem sabe um dia esse blog não terá milhares de seguidores e uma briga por patrocínios? Quem sabe um dia não serei uma escritora famosa como o Pedro Bandeira (o mestre)? Vai saber o poder do destino....
Só sei que me garantiram, que todo grande escritor no Brasil e no mundo tem que ter um site. Eis o primeiro passo.
Abraços ,